25.11.06

Me acabando




El deseo es una pregunta cuya respuesta nadie sabe.


_ Mal te quero.

_ Então fecha a porta...

_ Será?

_ Putz!


Nina

23.11.06

Arenillo



Ele me disse isso há algum tempo.
Então, era aquele quarto pequeno, noite despreocupada e inverno sem roupas.
Ele tinha o braço na tipóia por catar cogumelos no campo, me contou.
Ele era mágico e eu delícia.
Enquanto colocava música no computador capenga, música de casa pra dançar junto, ele tentava enrolar um “chocolate” com uma mão só. Era uma cena ótima, mas quase não prestei muita atenção.
Eu quase não estava lá. Já era encantada. Sem perceber. Sem me importar.
Ele abaixava a cabeça e ficava rindo com os olhos, imerso na malícia de me ver ali dançando e desejando par, com pressa de acender logo o cigarro e fazer presença.
De olhos fechados, sinto cheiro da flor de laranjeira, e o corpo dele tentando acompanhar minha cadência cuidada e leve.
Foram três, quatro tragos no máximo percorrendo esse caminho desequilibrado até nosso encontro hipnótico à primeira vista.
Sem compaixão, sina ou pudor.
Pura fé, sorriso, carícia.
Foi o que todo mundo deve viver algum dia se tiver coragem de perder a maravilha.
I don’t wanna ever miss you.
Se me lembro disso, sou bonita pra sempre.



By Nina.



16.11.06

Confissão


Agora ele vai fumar outro cigarro tirando o maço do bolso com aquela urgência de escudo.
Vai olhar para ela e encolher os ombros.
Não consegue fixar o olhar e se move eufórico, igual criança que conta as novidades da excursão pro zoológico.
Ela acha graça e continua sorrindo, com mais delícia que interesse.
Ela queria parar a delícia, pegar e guardar! Ou então, melhor que ele apagasse o cigarro bem no meio do peito dela...
Ele vai entender a cartada e se aproximar, quase obrigando-se.
Com um gesto evasivo, roça os seios dela com a mão ainda quente. Desenha sua cintura com uma larga carícia. Os olhos acompanham o movimento e de repente, a pegada se transforma com a força e impetuosidade que a razão exige.
Apertados um contra o outro, naquela situação em que a definição do desejo é tão incerta e irritante, ela só queria que o cigarro ainda estivesse queimando pra que pudesse dar vazão a uma seqüência de cenas que seriam pelo menos mais lógicas; enfim, aproveitando a inspiração de despeito que traz o inevitável, ela levanta a cabeça sonâmbula, puxa o cabelo dele com precisão suave e doce, olha bem no fundo de algo que ela estranhamente vai conseguindo dar forma com certo esforço, pra dizer de golpe, que não poderia ficar: porque, afinal de contas, você sabe, a verdade é que nunca fui muito fã do Chico mesmo...


By Nina.

3.11.06

É verdade




Fran, ontem recebi um postal, uma gravura de Kirchner, das mais ordinárias.
Daquela garota verde e preciosa, que olha como quem cala, lembra?
Sua boca percorre somente a metade do caminho que seus olhos traçam.
Tão lânguida que já não suporto vê-la.
Recortei o terço superior e guardei o resto.
Permito que esta parte continue mirando fixamente absorta o fundo dos meus olhos.
É terrível e implacável porque não quero te salvar do espanto!

Da última vez que te vi seus olhos seguiam minha sombra com as mãos em prece, recitando códigos combinatórios de lembranças e circunstâncias que só existem no seu jardim.
Portanto me obstinarei em substituir uma menina por outra, uma cara por outra, sempre que me sinta encurralado por esses seus olhos complacentes assim.

E prometo te devolver a gravura quando a garota estiver menos verde e mais desbotada, após alguns anos de mentiras calculadas e impensadas que no final das contas te farão muito bem...


O bilhete by Nina.


O postal:
KIRCHNER
, Ernst Ludwig
Fränzi ante una silla tallada, 1910
Óleo sobre lienzo71 x 49,5 cm

1.11.06

Como ando lendo

...
Como de sonhos se trata, quando aos Tártaros dão por sonhos coletivos, matéria paralela à cidade, mas cuidadosamente delimitada porque ninguém se atrevería misturar a cidade com os sonhos, que seria como dizer a vida com o jogo, se transformam em uma futilidade que repugnaria às pessoas sérias.

Quase sempre começa Polanco: Veja, sonhei que estava em uma praça e que encontrava um coração no chão. O pequei e ele batia, era um coração humano e batia, então o levei a uma fonte, lavei o melhor que pude porque estava cheio de folhas e poeira, e fui entregar-lo à delegacia da rua l’Abbaye. É absolutamente falso, disse Marrast. Você o lavou mas depois o enrolou desrespeituosamente em um jornal velho e o jogou no bolso de seu paletó. Como vai jogar no bolso do paletó se estava de camisa, disse Juan. Eu estava corretamente vestido, disse Polanco, e o coração o levei à delegacia e me deram um recibo, isso foi o mais extraordinário do sonho. Não o levou, disse Tell, te vimos quando você entrou na sua casa e escondeu o coração em um baú, desses que têm um cadeado de oro. Imaginem Polanco com um cadeado de ouro, ri grosseiramente Calac. O coração eu levei à delegacia, disse Polanco. Bom, consente Nicole, talvez esse fosse o segundo, porque todos sabemos que você encontrou pelo menos dois. Bisbis bisbis, disse Feuille Morte. Pensando bem, disse Polanco, encontrei como vinte. Deus de Israel tinha esquecido a segunda parte do sonho. Você o encontrou na Place Maubert debaixo de uma montanha de lixo, disse meu compadre, te vi desde o café Les Matelots. E todos batiam, disse Polanco entusiasmado. Encontrei vinte corações, vinte e um com o que eu já tinha levado para a polícia, e todos estavam batendo como loucos. Você não o levou para a polícia, disse Tell, eu te vi quando o escondeu no baú. De qualquer forma batia, consente meu compadre. Pode ser, disse Tell, o fato de bater não me importa em absoluto. Não há nada como as mulheres, disse Marrast, que um coração esteja batendo ou não a única coisa que vêem é um cadeado de ouro. Não te tornes ascético, disse meu compadre. Toda a cidade estava coberta de corações, disse Polanco, me lembro muito bem, era estranhíssimo. E pensar que no começo somente me lembrava de um coração. Por algo se começa, disse Juan. E todos batiam, disse Polanco. De que serviria isso, disse Tell.
...

Texto de: 62 / Modelo para armar
Julio Cortázar, 1968
Editora Suma de Letras, abril 2004
Tradução livre - Ana